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Amor Vascaíno

            O som estridente do radinho de pilha podia ser ouvido de longe. A inconfundível voz de Jorge Curi conclamava as multidões a acompanhá-lo na Rádio Globo aquela tarde, mandando levarem o rádio ao estádio. Bida, assim, logo identificou onde procurar por seu avô. Do outro lado do muro baixo das ruas tranquilas, na calçada, provavelmente sentado na velha cadeira de armar com assento de lona azul, encosto de madeira e pernas enferrujadas. Seu pai pedira que o chamasse porque não queria que se atrasassem para a ida ao Maracanã. Havia pedido à mãe que servisse mais cedo o almoço. Naquele dia não bastaria chegar cedo, comprar os ingressos e subir a rampa que ficava próxima aos trilhos da rede ferroviária federal.         Abriu o portão e ali estava o avô, sozinho, cigarro apagado entre os dedos indicador e médio da mão distraída que envolvia, com os dedos restantes e a palma da mão, um copo de chá vazio. Olhou com carinho pa...
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Mergulhando: Cocos ou Revillagigedo?

Roca Partida Símbolo de Revillagigedo Como todo mergulhador sabe, os remotos pontos de mergulho costumam ser os melhores. E entre eles, há dois muito próximos de nós e que são adorados por todos os que gostamos dos "grandes encontros": A Ilha Cocos, na Costa Rica e o arquipélago de Revillagigedo no México (que os americanos chamam de Socorro Islands que, em verdade, é apenas uma das ilhas do arquipélado. O ideal é conhecer os dois. Contudo, se somente puder ir a um deles, essas são algumas informações que podem ajudar a decidir. Antes de mais nada, é importante que eu diga que estive em Cocos em 2012 e em Revillagigedo em 2019. Uma diferença de tempo considerável. Mas é o que tenho para compartilhar. Foto by J. Yaber Para chegar a Cocos, que fica na Costa Rica, é necessário passar por San José, uma cidade com atrações culturais limitadas e muitas opções de turismo de aventuras e ecológico, daqueles de tirar o fôlego ou saciar a vontade de um bom ...

O Encontro

Escrevi esse conto há muitos anos. Já nem lembro. Para que o leitor tenha uma rápida ideia, tive que fazer algumas edições, como para mudar uma menção ao carro que o personagem comprara, então um Vectra... A menção a um mini system eu mantive, porque entra em uma lembrança do passado do narrador. E ao remexer meus arquivos, tentando fazer algo nesse período de isolamento por conta da pandemia, encontrei esse texto. Reli e resolvi que queria dividir com vocês. Espero que gostem. O ENCONTRO Marcamos encontro numa cafeteria elegante de um shopping center . É início de agosto e o inverno ainda nem terminou, mas já faz calor e o céu tem um azul incomum, de uma beleza ímpar, dessas que nos fazem pensar que os dias estão melhores e que a felicidade está bem ao nosso lado. Olho pela janela e tenho a impressão de que não sopra nem uma brisa. As árvores não balançam e por entre os carros, enquanto atravessa para o outro lado, um homem enxuga o suor com um lenço azul e olha...

Uma Crônica da Pandemia

Estou preso. Esse é um fato inconteste. Não é uma prisão como a dos condenados. Uma cela, superlotada ou não, fechada a cadeado e com homens armados do lado de fora. É uma prisão desigual. A minha própria casa. A possibilidade de sair livremente é falsa. Em lugar dos homens armados, da vigilância ostensiva, com ordens de atirar para matar, há uma vigilância sorrateira, invisível, de seres impossíveis de ver a olho nu. E com ordens de matar pra valer e de forma dolorosamente cruel. Desumana, claro. Nem se pode exigir desses guardas-carrascos uma humanidade, porque eles não a têm. Somos apenas um veículo para que se reproduzam e perpetuem a própria espécie, sem importar os danos causados ao ambiente em que vivem. Não se preocupe. Não vou traçar paralelos com outra espécie que faz o mesmo. Não preciso. A conclusão a que chego, é que estou contaminado pelo vírus. Ele não me afeta o corpo como me diz o resultado do teste feito anteontem, mas em algo tão caro quanto. Ou até mai...

Contando Histórias: BRUMAS E NEBLINAS, por Francisca Lacerda

Meus amigos, este conto foi escrito por uma querida amiga, cuja generosidade e boa vontade para comigo fizeram com que não apenas apreciasse o meu "Até que Alguém Reconheça", como também mergulhasse na história para nos contar quem foi ou pode ter sido, a heroína daquela história. O texto de Francisca nos brinda com um verdadeiro mix de emoções, que só quem é dotado da sensibilidade e talento da autora seria capaz. Como gostei muito (e, Ok, Ok, por um pouquinho de vaidade, já que me foi dedicado), pedi autorização para dividir com vocês nesse blog. Aproveitem! BRUMAS E NEBLINAS (Francisca Lacerda) Para meu amigo Ney Pimenta Manchetes dos jornais do dia – Neblina fecha aeroporto em Curitiba. Li aquele título e lembrei-me das vezes em que não só aeroportos são fechados por neblinas: as mentes também se fecham em mistérios e sombras. Que o diga o Alienista, de Machado de Assis. Isso é tão verdade que uma bruma esfumaça meus dias. Quero cantar, quero r...

Contando Histórias: E Nem Verão Era

Ao ver o filho no chão Tanta juventude perdida As pernas não aguentaram o próprio peso e se dobraram Joelhos no asfalto, braços abertos, olhos escancarados, fitava o nada. A boca se abriu como antes nenhuma outra Nenhuma outra jamais E dela saiu um grito que não se descreve Porque quem criou as palavras não imaginou um sofrimento assim E foi tão alto que nenhum pássaro cantou Nenhum homem falou Nenhum cão latiu Apenas uma cigarra Num canto tão triste... E nem verão era.

Contando Histórias: COVARDE

Foi então que me dei conta da covardia Ela nos invade e sussurra: " me chamo Comodidade" Sem vergonha, sedutora Fácil de aceitar Deita-se por todos os lados E nos sorri Quando os anos passaram Eu nem sabia mais para onde ir Não conhecia mais ninguém E tinha medo, muito medo Era covarde Fui traído e humilhado E, quer saber? Por mim mesmo Não há nada pior do que olhar no espelho e ver seu algoz A cara do cara que pode mudar tudo É a cara do cara que se borra E espera que um milagre o salve Enquanto o milagre não vem Eu escolho a mentira Senta aqui do lado, Comodidade E me conta suas lendas Me consola e me enfraquece Gentil com os outros Cordial com os outros Pode ser a gota d'água Pode ser o que faltava Para cair a máscara e enxergar Não sou bom nem mau Sou acolhedor E sou covarde Que perigo

Quem é Você?

Contando Histórias Uma advertência antes de você começar a ler. Diferentemente de meus outros textos (sejam crônicas, contos, relatos de viagens ou poesias) esse tem alguns palavrões. Se você é sensível, não leia, ok? QUEM É VOCÊ? Em completa paz e sentindo a vida com uma esperança quase insana, me servi de uma dose de Chivas e liguei a TV. Zapeei por alguns instantes e parei em um canal que transmitia uma bela cena. Nela, um homem lia tranquilamente um pequeno livro, com a cintura encostada no parapeito da janela, de costas para a câmera. Era noite, mas a rua parecia movimentada e, ao longe, se viam algumas luzes nos edifícios da rua. O apartamento estava na penumbra, de modo que a luz que vinha da janela criava um quadro muito bonito, talvez por conta da pouca mobília que havia. ‟ Um belo trabalho do diretor de fotografia ”, pensei. O homem fechou o livro lentamente, como quem reflete sobre aquilo que acabou de ler, e se virou. Olhava diretamente para a câ...