Abriu
o portão e ali estava o avô, sozinho, cigarro apagado entre os dedos indicador e médio da mão
distraída que envolvia, com os dedos restantes e a palma da mão, um copo de chá vazio. Olhou com
carinho para o avô. Aquele senhor libanês se apaixonara por futebol
desde que desembarcara no Brasil e vira a festa em que cada dia de
jogo transformava a cidade. E transmitira a paixão ao filho e depois
ao neto, que levava seu nome. E tamanha paixão o aproximara de
diversos jornalistas e jogadores, transformados em clientes da
lanchonete ali na Praça Carmela Dutra, em Benfica, onde moravam.
Bida
estava encantado com a notícia que o pai lhe dera. Parou por um
instante ao lado do portão, imóvel. Um jornalista, amigo do avô,
havia lhe conseguido um presentão. Jogariam Flamengo e Vasco naquela
tarde de domingo de 1974 e ele poderia entrar em campo com os
jogadores. Sonhou até em fazer umas embaixadas na frente da torcida
com a bola do jogo e, no delírio, conseguia ouvir os aplausos e ver
os olhos orgulhosos do pai e do avô. Uma lágrima de alegria quase desceu pelos olhos marejados, mas ele tratou logo de enxugar.
-
Vô, papai mandou chamar. Vovó já serviu o almoço.
O
avô lhe lançou um olhar carinhoso, levantou-se da cadeira com agilidade e estendeu a mão. Assim, de
mãos dadas, caminharam juntos e lentamente pelo quintal, evitaram a
porta da frente, atravessaram a garagem e subiram pela pequena escada
ao fundo, que dava diretamente na grande copa onde costumavam
almoçar. A avó preparara um quibe de cordeiro que somente ela sabia
fazer. Afinal, era um dia especial para Bida.
A
excitação era tamanha que a fome de gigante que sempre o acompanhava havia desaparecido. Mal dormira na noite anterior. No entanto,
comeu. Mais por hábito que por vontade. E, menino muito esperto,
sabia que a avó não lhe daria sossego se não comesse e temia que
algo atrapalhasse os planos daquele domingo.
Tudo
correu bem. A brasília azul-claro daquela vez pegou sem que
precisassem empurrar; os sinais estavam todos abertos de Benfica ao
Maracanã e havia uma vaga muito boa em que o pai estacionou, bem na
frente da entrada em que deveriam se identificar para serem
conduzidos ao local em que veria de muito perto todos os seus ídolos.
O jornalista de nome engraçado e amigo do avô, o tal que conseguira que entrasse como
mascote, já os esperava. Os olhos de Bida brilhavam e mal conseguia
tirar do rosto o sorriso. Os quatro caminharam pelo lado externo do
estádio, passaram por uma larga entrada cheia de gente e chegaram a
uma sala onde ele foi entregue, com a promessa da simpática senhora
que cuidava de quem ali chegava de entregá-lo de volta no mesmo
lugar ao final do jogo. Devia haver ali umas 20 crianças, a maioria
meninos da mesma idade de Bida.
O
pai e o avô foram para a arquibancada. O pai lhe deu um beijo na
testa e o avô piscou o olho e tinha uma expressão otimista no rosto. Com as mãos fez um sinal: 2 a 0 hoje.
Bida
entrou e olhou em volta. Estavam distribuindo os uniformes para os
mascotes e estava tão encantado com tudo que não se deu conta da
movimentação. Olhou as fotos nas paredes. Ídolos de todos os times e todas as épocas, coloridas e em preto e branco. Parou na frente de um que carregava a cruz de malta no peito sobre a faixa cruzada e sentiu um nó na gargante. Estava próximo de lhe dar um caloroso abraço. Acabou sendo o último a receber o uniforme. Fechou a
cara. Aquelas não eram as cores do seu time. Não era aquele o uniforme que queria vestir. Mas não teve jeito.
Nenhuma das outras crianças quis trocar.
Como
consolo, deixaram-no entrar com a bola do jogo nas mãos.
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