Há alguns anos, voltando para Vitória, me impressionei com a visão de São Paulo à noite e acabei escrevendo o que desejava que fosse uma poesia. Não ficou bom e guardei. A cena se repetiu agora, nesses primeiros dias de 2012, e resolvi que me era mais fácil fazer da ideia - e desse meu deslumbre - um microconto que, agora, divido com vocês. Espero que gostem.
São Paulo, São Paulo
(o microconto de um poeta medíocre)
PARTE I
É dessa pequena janela
que te olho com atenção. Cada vez mais alto e cada vez mais
distante, melhor ainda te observo, porque perco os detalhes e não me
distraio. E somente assim é que te vejo inteira.
As tuas luzes, milhões
delas, são excitantes aquarelas... vermelhas as dos carros nas ruas
escuras, amarelas as dos apartamentos acesos. São azuis as dos neons
que te vendem a consumidores ávidos e verdes as dos sinais (que teus
filhos chamam faróis) a transformar as lanternas dos carros, uma vez
abertos, no sangue que vejo fluir por suas artérias.
São Paulo, São Paulo,
nunca fui teu como tu nunca fostes minha. Mas a cada subida e a cada
descida me encanta a tua imagem. E de tanta aflição pelos prazeres
que nunca vou gozar, meu peito se estreita.
PARTE II
Dessa mesma janela, que
com atenção te olho, pensando nessa gigante que você é, imagino
alguns destes que são teus de corpo e alma, porque em tuas avenidas
nasceram ou porque te escolheram como lar. Imagino João e Maria,
nascidos um para o outro. João é tudo que Maria quer de seu homem.
Maria é a mulher com que João sonha desde os primeiros pelos
nascidos abaixo da cintura. Mas por causa do teu imenso tamanho,
jamais irão se conhecer.
Você os conhece bem,
pois João é teu filho desde a barriga da mãe. Maria é tua filha
por escolha. João é Consolação. Maria é Butantã. Uma pequena
linha levemente tortuosa no Google Maps...
Viverão cem anos em
tuas entranhas sem pisar a mesma calçada; não passarão perto um do
outro. Têm almas gêmeas e, ainda assim, passarão a vida procurando
os olhos que a tua grandeza escondeu.
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