Escrevi essa crônica há mais de três anos. Era janeiro de 2010. Na época, foi talvez uma forma de homenagear uma grande amiga que perdia. Há algum tempo, com esse blog novo, eu vinha querendo colocar lá, pois ela estava apenas no blog antigo, que já até desabilitei. E esse mês de junho me pareceu o mais adequado, pois foi justamente em um mês de junho, de 1996, que ela entrou na vida de minha família e se tornou parte tão importante dela que, até hoje, eu, Rosanne e Eloah, sempre que lembramos dos bons tempos já vividos, reservamos um bom tempo pra falar dela, não sendo possível deixar de ter os olhos marejados.
Pois é isso. Essa crônica é de uma história que começou há exatos 17 anos e que vou carregar comigo para sempre. Hoje, não tenho dúvidas: a razão pela qual a reescrevo e republico, é que a cada um que a lê, Lua vive mais um pouco.
MAIS UMA
LUA NO CÉU
- Quero um cachorro.
- Dá muito trabalho,
você nem imagina...
- Eu cuido.
- Cuida nada... conheço
essa história.
- Então vamos ter um
filho.
No dia
seguinte já tinha o telefone de um criador. Me prometeu um cocker
spaniel preto e branco, com pedigree e tudo. Mas não me telefonou
nos três dias que se seguiram. Foi o destino que me levou a entrar
numa pet shop entre a Praia da Costa e o Centro de Vila Velha
e enxergar um pequeno cartaz “vendo filhotes de cocker spaniel”.
Telefone, endereço etc. Fui lá. Longe pra burro, num lugar de Vila
Velha que eu nunca tinha ido e nunca voltei depois... Perguntei pela
fêmea sobre a qual havíamos conversado ao telefone e a moça gritou
“Marrom! Vem aqui, Marrom”. Uma fêmea caramelo, serelepe, magra
e quase sem pelos, com supostos três meses de idade desceu correndo uma
escadaria e, sem parar e sem olhar para mais ninguém se atirou no
meu colo e não saiu mais. Juro. Exatamente assim.
- Vou
levar. Quanto é?
- Oitenta
reais.
- Pego
depois de amanhã. É um presente pra minha mulher e quero que ela
venha junto buscar.
- Tudo
bem, espero você. Fique tranquilo. Tem certeza que quer essa? Tenho
dois machos lindos e bem maiores...
- Sim,
tenho certeza. Foi essa que me escolheu. A senhora viu, não viu?
Marrom
mudou de casa e de nome. Passou a ser Lua e nunca mais mencionamos o
“Marrom”. Nessa época morávamos numa cobertura alugada ali na
Desembargador Augusto Botelho. Tinha uma varanda e muito espaço, no
qual a pequena filhote se divertia um bocado.
Levei ao
veterinário. A recepcionista me indicou a sala e entrei. Dr. Franco
falava com alguém ao telefone e sem interromper a conversa, me
sorriu cordialmente e mostrou uma cadeira para que eu me sentasse
enquanto ele terminava o assunto. Apontei para a pequena cadela que
cheirava tudo no consultório, ameaçando um xixi a qualquer momento
e ele fez com a mão livre um gesto como quem diz “deixa, não
me importo, estou acostumado”. Logo em seguida nasceu o segundo
apelido dela. O veterinário disse ao seu interlocutor ao telefone
(pelo jeito que falava, acho que era sua mulher ou namorada) “Tenho
que desligar. Estou olhando pra uma loura bem aqui na minha frente e
tenho que cuidar dela”, soltando uma risada. Marrom, além do
nome que eu tinha escolhido, passou a ser “Loura” e foi assim pra
sempre. Minha Loura. Meu cachorro.
Vacinas,
vermífugo e uma recomendação: não passear nas próximas semanas.
Assim fiz. Mas tão logo pude, comecei a levá-la ao calçadão da
Praia da Costa, sempre notando o olhar comprido dela para a areia...
Um dia
resolvi atender ao seu desejo. Primeiro vez dela na areia, ali no
trecho próximo à Diógenes Malacarne, já de noite, resolvo soltar
a Loura. Pense numa energia grande. Pois era mais do que você
pensou. Ela corre. E corre. E corre. Penso “não vai mais
parar!” e começo a correr atrás para buscá-la, ela já quase
no trecho em frente ao Atlântica e eu ainda nem tinha passado do
Hostess, quando ela dá um cavalo-de-pau e volta correndo. A toda! E
passa por mim na direção contrária, uma bala, no rosto uma
expressão de pura felicidade. Entendi tudo. Não fugia. Brincava e
me mostrava que eu podia deixar. Ela sempre iria voltar. Como sempre
voltou.
Quando
minha mulher ficou grávida, comentei o fato com Ana, que cuidou da
Loura toda a vida. E me surpreendi com uma expressão de preocupação.
Apontando para minha pequena amiga, que acabara de tomar banho, Ana
perguntou, num misto de apreensão e amargura:
- E
agora... o que vocês vão fazer com ela?
Compreendi
que vários casais, preocupados com a saúde de seus filhos, acabam
se desfazendo de seus animais. Tratei de tranquilizá-la. Isso nem
passara pela nossa cabeça!
Logo
depois nasceu nossa filha. Minha mulher, cheia de cuidados com o
nenê, me dizia para não deixar que elas se encontrassem.
- Não
pode... Eloah não tem proteção ainda pra isso!
Quando
Rosanne não olhava, peguei Eloah no colo, abaixei e deixei que ela a
cheirasse toda. Estavam devidamente apresentadas! A partir de então,
as duas conviveram em paz, salvo algumas brigas típicas de “irmãs”:
rosnados para lá, puxões nas orelhas pra cá.
Eloah
morria de medo quando, tentando lhe tomar as bolas de tênis com que
brincávamos, era repelida com rosnados e alguns pequenos avanços
sem consequências. Mas as duas sempre se deram muito bem e quando
Eloah cresceu, já morando aqui na Ilha do Boi, costumávamos brincar
os três no corredor. Eu e Eloah jogávamos bolas de tênis
rapidamente ou pelo alto e ela tentava, muitas vezes com sucesso,
interceptar, casos em que se recusava a devolver a bola ao jogo e corria a se esconder com a bola na boca. Além da bolas, havia um
boneco marrom, um Taz (personagem da Looney Tunes que é um Demônio
da Tasmânia) que ela cuidava como se fosse um filhote. Filhotes que
ela nunca teve...
Passeávamos
todos os dias, à noite. Ela ia sempre solta e muita gente se
espantava no início. Depois, comecei a ver que as pessoas nos
imitavam na rua onde passeávamos e, aos poucos, a cachorrada toda do
condomínio, salvo uns mais rebeldes, passou a andar solta e
confraternizando entre si.
Já
adulta, escolheu seus preferidos: Léo, um cocker spaniel preto e
branco que foi o primeiro e único namorado dela e pra quem ela fazia
a maior festa sempre que via. O poodle negro Toy, que de “poodle
toy” não tinha nada, pois era bem grande e que nunca mais vi. E um
daschund preto que, soube há alguns meses, morreu de velho.
Isso sem
falar nos filhotes que encontrávamos pelo caminho e que,
simplesmente, a adoravam. Não havia um filhote que não corresse em
sua direção e a cheirasse toda para, após, ficar pulando em
círculos ao seu redor, enquanto ela, de cara séria, tentava
continuar seu passeio, ignorando o quanto podia, do alto de sua
experiência e com toda sua magnífica paciência, o incômodo
causado.
A praça
próxima ao condomínio é a cara dela. Como era bom sentar num
daqueles bancos e ficar olhando o mar enquanto ela investigava cada
metro quadrado da praça até vir se sentar ao meu lado, só se
levantando quando eu também o fazia ou, quando ela, achando que eu
já me demorava demais, dava o sinal e ia na frente. Nessas ocasiões,
ai de mim se não fosse atrás. Ela parava já bem à frente e,
voltando os olhos para mim, só faltava “por as mãos na cintura”
e disparar “Como é? Você vem ou não vem?”. Passeávamos também nas pedras que circundam a Ilha.
Tem uma
coisa espetacular sobre ela. Em seus quase 14 anos de vida, Lua nunca
mordeu ninguém. Nem outro cão ou gato ou hamster (sim, tivemos dois
em casa que ela, no máximo, cheirava rapidamente e depois deixava em
paz). Sua doçura não deixava espaço para uma agressão assim. Tudo
bem que ela rosnava e latia para quem se aproximava abruptamente.
Fosse dela, de mim, de Rosanne ou Eloah. Também rosnava para algum
cão muito inconveniente, pois até mesmo os que eram apenas um pouco
inconvenientes, ela perdoava e apenas se afastava. E que
latido grosso. Parecia um cão grande.
Ah,
claro! Ela adorava assustar os pássaros que encontrávamos pela rua.
Mas jamais tentou pegar nenhum. Apenas se divertia vendo-os voar
quando corria em sua direção. Tão logo voavam, parecia satisfeita
e retomava o passeio, sem qualquer frustração.
E não
posso deixar de lembrar e lhe contar a imensa paixão que Lua tinha
por minha mãe. Mamãe vinha aqui em casa duas ou três vezes por ano
e a cada chegada ela fazia uma festa de cão que não vê o dono há
anos! E que tristeza quando minha mãe e Jair iam embora...
Eu sei é
que o tempo passava mais rápido. Não sei, de verdade, se era eu
quem a levava para passear ou se ela é que me levava, pois eu curtia
tanto ou mais que ela esses passeios. Principalmente os noturnos
pois, cá entre nós, que vista invejável tem a Ilha do Boi, né?
Chegou o
tempo e a velhice. Ficou surda, mas aprendeu a ler meus sinais e eu a
aguçar minha percepção pois não tinha mais como avisá-la de
qualquer perigo nos passeios. Passeávamos em verdadeiro silêncio.
Passou a
usar fraldas por conta de uma incontinência urinária. Já não
corria mais e ignorava até mesmo os pássaros. Nossos passeios
passaram a ser lentos e, muitas vezes nos últimos seis meses, ela
parava, olhava pra mim e eu já entendia tudo. Tudo bem. Amanhã a
gente caminha mais, não é Loura?
Dormia o
dia quase inteiro. Umas 16 horas de sono por dia. Aqui uma
explicação: nos últimos anos ela dormia ao lado de nossa
cama, sempre dividindo seu amor: ficava uns dias ao lado de Rosanne e
outros dias ao meu lado, onde sempre recebia um afago de boa-noite e
nos obrigava, ao levantar, a ter o cuidado de não pisar nela. Acho
que para o resto de minha vida vou continuar levantando com cuidado.
Pois bem: não foram poucas as vezes em que eu, estando na sala e
resolvendo ir dormir, tentava acordá-la para que ali não ficasse
trancada e, diante do sono super pesado, me assustava pensando que
ela estivesse morta. Mas havia vezes em que, ao contrário, eu e
Rosanne nos demorávamos tanto para ir dormir que ela ia na frente,
ocasiões em que já a encontrávamos em pleno sono, do lado que
escolhera no dia.
Hoje,
ela com quase 14 anos, saímos de manhã para um passeio matinal.
Estava tudo bem e não notei nada de anormal. Levei-a para tomar banho e, quando ela voltou... bem, disso não quero me lembrar
mais e nem vale a pena.
O que
quero lhe dizer, é que hoje há mais uma Lua no céu.
Que lindo, Ney!!
ResponderExcluirMelhores amigos, melhores almas...tudo dentro de um cachorro. ;)
Tenho pensado muito em escrever minha historia, para que se um dia tiver netos, saibam como eu fui. E nessa minha história tem Maria Luiza - Malu; minha melhor amiga..uma boxer linda que aos 10 anos tive que tomar a segunda pior decisão de minha vida. Adorei ler essa história. Sua companheira deve estar junto da minha. Parabens
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