Pular para o conteúdo principal

CONTANDO HISTÓRIAS: Valentina

Escrevi este miniconto após ler reportagem no Portal do TRT do Espírito Santo sobre entrevista concedida pela minha querida amiga Francisca Lacerda para o programa Nossa Memória, Nossa História, da TV Justiça capixaba, cujo tema é A Justiça do Trabalho nos anos 60. Francisca é desembargadora aposentada, escritora e poetisa, membro da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha. 

O miniconto se situa em 1968. Espero que gostem.

VALENTINA

Valentina acordou cedo, o que não era qualquer novidade. Diferente era aquela sensação de angústia. Levou um tempo para compreender e, só depois do café reforçado que fez para Valteir é que se deu conta... Nove meses. "Dava um filho", pensou. Estava sem receber seu salário há tanto tempo que já se acostumara. Mas naquele dia, não. Pensou no marido, se esforçando nas vendas da concessionária, pensou no casal de filhos cujas roupas começavam a puir pela falta de novas e resolveu que ia tomar uma atitude, Ah! se não ia! Era o fim e ela tinha cabelo nas ventas. Não deixava nada barato. 

Correu para a escola em que trabalhava e começou a conversar com todos. Tinham de fazer algo. 

Ao longe, alguém a observava sem que ela percebesse. Meia hora depois, um milico todo engalanado entrou e acabou com tudo... "olhem, moças, vocês vão ter que parar com essa reunião, senão, infelizmente, vou ter que prender todo mundo". Ficou com raiva. Olhou fundo nos olhos dele, mas enxergou, como sempre, mais longe na alma do sujeito. Fazia o que lhe mandavam, não era por vontade própria...

Se apiedou do homem. 

E foi lutar em outra frente.

Comentários

  1. Ney, lembrei-me disso ontem, com os colegas da Anamatra, em e-mail, discutindo se houve ou não houve ditadura. Fico a imaginar se história tem que ser vivida. Eu vivi essa história. Mas deixa de ser história para que não a viveu? Tempo estranho esse nosso. Polarizam demais. Grande abraço.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Amor Vascaíno

            O som estridente do radinho de pilha podia ser ouvido de longe. A inconfundível voz de Jorge Curi conclamava as multidões a acompanhá-lo na Rádio Globo aquela tarde, mandando levarem o rádio ao estádio. Bida, assim, logo identificou onde procurar por seu avô. Do outro lado do muro baixo das ruas tranquilas, na calçada, provavelmente sentado na velha cadeira de armar com assento de lona azul, encosto de madeira e pernas enferrujadas. Seu pai pedira que o chamasse porque não queria que se atrasassem para a ida ao Maracanã. Havia pedido à mãe que servisse mais cedo o almoço. Naquele dia não bastaria chegar cedo, comprar os ingressos e subir a rampa que ficava próxima aos trilhos da rede ferroviária federal.         Abriu o portão e ali estava o avô, sozinho, cigarro apagado entre os dedos indicador e médio da mão distraída que envolvia, com os dedos restantes e a palma da mão, um copo de chá vazio. Olhou com carinho pa...

Quem é Você?

Contando Histórias Uma advertência antes de você começar a ler. Diferentemente de meus outros textos (sejam crônicas, contos, relatos de viagens ou poesias) esse tem alguns palavrões. Se você é sensível, não leia, ok? QUEM É VOCÊ? Em completa paz e sentindo a vida com uma esperança quase insana, me servi de uma dose de Chivas e liguei a TV. Zapeei por alguns instantes e parei em um canal que transmitia uma bela cena. Nela, um homem lia tranquilamente um pequeno livro, com a cintura encostada no parapeito da janela, de costas para a câmera. Era noite, mas a rua parecia movimentada e, ao longe, se viam algumas luzes nos edifícios da rua. O apartamento estava na penumbra, de modo que a luz que vinha da janela criava um quadro muito bonito, talvez por conta da pouca mobília que havia. ‟ Um belo trabalho do diretor de fotografia ”, pensei. O homem fechou o livro lentamente, como quem reflete sobre aquilo que acabou de ler, e se virou. Olhava diretamente para a câ...

O Encontro

Escrevi esse conto há muitos anos. Já nem lembro. Para que o leitor tenha uma rápida ideia, tive que fazer algumas edições, como para mudar uma menção ao carro que o personagem comprara, então um Vectra... A menção a um mini system eu mantive, porque entra em uma lembrança do passado do narrador. E ao remexer meus arquivos, tentando fazer algo nesse período de isolamento por conta da pandemia, encontrei esse texto. Reli e resolvi que queria dividir com vocês. Espero que gostem. O ENCONTRO Marcamos encontro numa cafeteria elegante de um shopping center . É início de agosto e o inverno ainda nem terminou, mas já faz calor e o céu tem um azul incomum, de uma beleza ímpar, dessas que nos fazem pensar que os dias estão melhores e que a felicidade está bem ao nosso lado. Olho pela janela e tenho a impressão de que não sopra nem uma brisa. As árvores não balançam e por entre os carros, enquanto atravessa para o outro lado, um homem enxuga o suor com um lenço azul e olha...